14 de jun. de 2016

A BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA É UM LUGAR DE MEMÓRIA?

Felipe Caldonazzo de Almeida Pereira [1]
Técnico em Biblioteca da Divisão de Circulação do SB/UEL 
                                                                           

        Este artigo busca trazer um questionamento um pouco óbvio, porém não menos importante. Afinal, sendo a biblioteca universitária uma instituição reconhecida no processo de produção do conhecimento, com seu foco na comunidade acadêmica (docentes e discentes) e sua produção científica, a memória teria espaço nesse local?
Há muito tempo que a memória se faz presente nos espaços de uma biblioteca, principalmente quando se pensa na função de guarda e preservação de seu conteúdo (SILVA, 2006), tanto o físico (o suporte) quanto o da informação (documento). Nora (1993) lembra que a biblioteca funciona como um repositório das informações da sociedade, incluindo sua memória, assumindo o papel de um dos “lugares de memória”.
Cabe ressaltar que Nora faz uma distinção entre Memória e História. Enquanto “a história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais”, “a memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente.” (NORA, 1993, p. 9). A memória também se diferencia da história por ser dinâmica. Tem uma ligação direta com os indivíduos, podendo ser relembrada e incorporada.
Sobre esses lugares de memória, eles podem ter uma função simbólica ou uma “função informacional, no sentido de lembrar os acontecimentos, pessoas e lugares que realmente existiram e cujas provas podemos encontrar nesses lugares.” (MURGUIA, 2010, p. 8).
Sobre esta primeira função, mesmo que uma biblioteca universitária tenha um caráter voltado para a produção e disseminação científica, Silva (2006) mostrou que sua própria arquitetura marca o espaço, sua localização se faz como uma referência, assim, possui uma das funções destacadas por Murguia, a simbólica. Portanto, a instituição também se inscreve na memória da sociedade por sua própria estrutura física.
 Uma outra função que se destaca é a informacional, onde esta instituição se torna uma das responsáveis pela disseminação das informações, do conhecimento e, também, da memória, afinal, as universidades têm uma importante contribuição para os aspectos culturais da sociedade. E mesmo na parte teórica, nas áreas de Biblioteconomia e Ciência da Informação, a memória tem ganhado espaço, como pode-se perceber com os diversos trabalhos produzidos na área, com os eventos com esta temática e com a criação do GT 10 – Informação e Memória – no Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB).
Dodebei (2010) mostra a importância desse grupo de trabalho sobre memória, pois representa um diálogo transdisciplinar sobre o tema, podendo a informação ser tratada pela oralidade ou escrita, permitindo a contribuição de diversas áreas do conhecimento, como História, Filosofia, Antropologia e disciplinas, como Organização da Informação e do Conhecimento. Assim, a prática biblioteconômica pode acompanhar a discussão teórica e aplicá-la em sua realidade de trabalho.
Pode-se citar alguns exemplos dessa memória “viva” no próprio acervo do Sistema de Bibliotecas da UEL (SBUEL) e a importância desses materiais para a cultura londrinense. O primeiro exemplo é o livro “O doutor preto Justiniano Climaco da Silva: a presença negra pioneira em Londrina” (SILVA; PANTA, 2010). Este livro é produto de um subprojeto de Iniciação Científica de Mariana Panta, da pesquisa “População Negra em Londrina: Memória e realidade Social”, no âmbito do Grupo de Estudos de Relações Étnico-Raciais e Afro-Brasileiros (CNPq/UEL) e do Laboratório de Cultura e Estudos Afro-brasileiros (LEAFRO). Como se vê, é um trabalho da própria instituição universitária, fruto de um projeto de pesquisa e, nas palavras das autoras,

[...] este texto tem como objetivo divulgar a memória de uma das personalidades negras, que desempenhou um importante papel desde o início da colonização da cidade de Londrina até o final da década de 1990, o pioneiro Justiniano Clímaco da Silva, um dos primeiros médicos que trabalharam na cidade, atendendo a todos num contexto repleto de epidemias, que exigia a dedicação total ao ofício, ultrapassando as imensas barreiras da falta de condições para o exercício da clínica. (SILVA; PANTA, 2010, p. 6).

O segundo exemplo, um livro chamado Terra Vermelha (PELLEGRINI, 2003). É um romance baseado em fatos e pessoas reais, no qual mostra a história de dois imigrantes, ou pioneiros, José e Tiana, que se mudam para colonizar o que seria a cidade de Londrina. São 470 páginas de uma história que beira o irreal, mas que só a memória é capaz de mostrar a veracidade dos fatos, como a “Marcha das Putas” e as diversas disputas pelo uso da terra que ia sendo desbravada.
Assim, mesmo em uma biblioteca universitária, a memória se faz presente, seja ela resgatada por um romance ou um grupo de pesquisa em Ciências Sociais, mostrando, para toda comunidade interessada, um pouco dessa memória que vai sendo resgatada e disseminada.

REFERÊNCIAS
DODEBEI, Vera. Memória e informação: interações no campo de pesquisa. In: MARANON, Eduardo Ismael Murguia. (Org.). Memória: um lugar de diálogo para arquivos, bibliotecas e museus. São Carlos: Compacta Gráfica e Editora, 2010. p. 59-78.
MURGUIA, Eduardo Ismael. Apresentação. In: MARANON, Eduardo Ismael Murguia. (Org.) MEMÓRIA: um lugar de diálogo para arquivos, bibliotecas e museus. São Carlos: Compacta Gráfica e Editora, 2010. p.7-9.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.
PELLEGRINI, Domingos. Terra Vermelha. São Paulo: Geração Editorial, 2003.
SILVA, Maria Nilza da; PANTA, Mariana. O doutor preto Justiniano Clímaco da Silva: a presença negra pioneira em Londrina. Londrina: UEL, 2010.
SILVA, Terezinha Elizabeth da. Bibliotecas: metáforas da memória. Enc. Bibli: R. Eletr. Bibliotecon. Ci. Inf., Florianópolis, n. 21, p. 85-94., 2006.



[1] Graduando em Biblioteconomia (UEL).