A BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA É UM LUGAR DE MEMÓRIA?
Felipe Caldonazzo de Almeida Pereira [1]
Técnico em Biblioteca da Divisão de Circulação do SB/UEL
Técnico em Biblioteca da Divisão de Circulação do SB/UEL
Este artigo busca trazer um
questionamento um pouco óbvio, porém não menos importante. Afinal, sendo a biblioteca
universitária uma instituição reconhecida no processo de produção do
conhecimento, com seu foco na comunidade acadêmica (docentes e discentes) e sua
produção científica, a memória teria espaço nesse local?
Há muito tempo que a memória se faz
presente nos espaços de uma biblioteca, principalmente quando se pensa na
função de guarda e preservação de seu conteúdo (SILVA, 2006), tanto o físico (o
suporte) quanto o da informação (documento). Nora (1993) lembra que a
biblioteca funciona como um repositório das informações da sociedade, incluindo
sua memória, assumindo o papel de um dos “lugares de memória”.
Cabe ressaltar que Nora faz uma distinção
entre Memória e História. Enquanto “a história é a reconstrução sempre
problemática e incompleta do que não existe mais”, “a memória é um fenômeno
sempre atual, um elo vivido no eterno presente.” (NORA, 1993, p. 9). A memória
também se diferencia da história por ser dinâmica. Tem uma ligação direta com
os indivíduos, podendo ser relembrada e incorporada.
Sobre esses lugares de memória, eles
podem ter uma função simbólica ou uma “função informacional, no sentido de
lembrar os acontecimentos, pessoas e lugares que realmente existiram e cujas
provas podemos encontrar nesses lugares.” (MURGUIA, 2010, p. 8).
Sobre esta primeira função, mesmo que uma
biblioteca universitária tenha um caráter voltado para a produção e
disseminação científica, Silva (2006) mostrou que sua própria arquitetura marca
o espaço, sua localização se faz como uma referência, assim, possui uma das funções
destacadas por Murguia, a simbólica. Portanto, a instituição também se inscreve
na memória da sociedade por sua própria estrutura física.
Uma outra função que se destaca é a
informacional, onde esta instituição se torna uma das responsáveis pela disseminação
das informações, do conhecimento e, também, da memória, afinal, as
universidades têm uma importante contribuição para os aspectos culturais da
sociedade. E mesmo na parte teórica, nas áreas de Biblioteconomia e Ciência da
Informação, a memória tem ganhado espaço, como pode-se perceber com os diversos
trabalhos produzidos na área, com os eventos com esta temática e com a criação
do GT 10 – Informação e Memória – no Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência
da Informação (ENANCIB).
Dodebei (2010) mostra a importância desse
grupo de trabalho sobre memória, pois representa um diálogo transdisciplinar
sobre o tema, podendo a informação ser tratada pela oralidade ou escrita,
permitindo a contribuição de diversas áreas do conhecimento, como História, Filosofia,
Antropologia e disciplinas, como Organização da Informação e do Conhecimento.
Assim, a prática biblioteconômica pode acompanhar a discussão teórica e
aplicá-la em sua realidade de trabalho.
Pode-se citar alguns exemplos dessa
memória “viva” no próprio acervo do Sistema de Bibliotecas da UEL (SBUEL) e a
importância desses materiais para a cultura londrinense. O primeiro exemplo é o
livro “O doutor preto Justiniano Climaco
da Silva: a presença negra pioneira em Londrina” (SILVA; PANTA, 2010). Este
livro é produto de um subprojeto de Iniciação Científica de Mariana Panta, da
pesquisa “População Negra em Londrina: Memória e realidade Social”, no âmbito
do Grupo de Estudos de Relações Étnico-Raciais e Afro-Brasileiros (CNPq/UEL) e
do Laboratório de Cultura e Estudos Afro-brasileiros (LEAFRO). Como se vê, é um
trabalho da própria instituição universitária, fruto de um projeto de pesquisa
e, nas palavras das autoras,
[...] este texto tem como objetivo
divulgar a memória de uma das personalidades negras, que desempenhou um
importante papel desde o início da colonização da cidade de Londrina até o
final da década de 1990, o pioneiro Justiniano Clímaco da Silva, um dos
primeiros médicos que trabalharam na cidade, atendendo a todos num contexto
repleto de epidemias, que exigia a dedicação total ao ofício, ultrapassando as
imensas barreiras da falta de condições para o exercício da clínica. (SILVA;
PANTA, 2010, p. 6).
O segundo exemplo, um
livro chamado Terra Vermelha
(PELLEGRINI, 2003). É um romance baseado em fatos e pessoas reais, no qual
mostra a história de dois imigrantes, ou pioneiros, José e Tiana, que se mudam
para colonizar o que seria a cidade de Londrina. São 470 páginas de uma
história que beira o irreal, mas que só a memória é capaz de mostrar a veracidade
dos fatos, como a “Marcha das Putas” e as diversas disputas pelo uso da terra
que ia sendo desbravada.
Assim, mesmo em uma
biblioteca universitária, a memória se faz presente, seja ela resgatada por um
romance ou um grupo de pesquisa em Ciências Sociais, mostrando, para toda
comunidade interessada, um pouco dessa memória que vai sendo resgatada e
disseminada.
REFERÊNCIAS
DODEBEI, Vera. Memória e informação: interações no
campo de pesquisa. In: MARANON, Eduardo Ismael Murguia. (Org.). Memória:
um lugar de diálogo para arquivos, bibliotecas e museus. São Carlos: Compacta
Gráfica e Editora, 2010. p. 59-78.
MURGUIA, Eduardo Ismael. Apresentação. In: MARANON, Eduardo
Ismael Murguia. (Org.) MEMÓRIA:
um lugar de diálogo para arquivos, bibliotecas e museus. São Carlos: Compacta
Gráfica e Editora, 2010. p.7-9.
NORA,
Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto
História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.
PELLEGRINI,
Domingos. Terra Vermelha. São Paulo:
Geração Editorial, 2003.
SILVA,
Maria Nilza da; PANTA, Mariana. O doutor preto Justiniano Clímaco da Silva:
a presença negra pioneira em Londrina. Londrina: UEL, 2010.
SILVA, Terezinha Elizabeth da. Bibliotecas: metáforas
da memória. Enc. Bibli: R. Eletr. Bibliotecon. Ci. Inf., Florianópolis,
n. 21, p. 85-94., 2006.